Por um período, pertenci ao grupo daqueles que passeavam pela Terra da Fantasia do lado de lá. Foi um tempo interessante, em que meu gosto cinematográfico foi incrivelmente refinado e meu olhar, apurado. O cinema se impregnou de tal forma em mim que preferi criar em vez de escrever ou divagar a respeito. Deixei a Terra da Fantasia com um alívio; em seus caminhos de pedra sabão, a sensibilidade sempre dá lugar à análise "crítica" (várias aspas), à teoria virulenta e a um apego idiossincrático a certos ícones e a certos movimentos-de-câmera-e-cortes-de-edição. Não digo que entre os passeadores não haja gente sensível; sim, há. Mas, para que a bruxa não os coma, fingem que suas emoções são o menos importante na hora em que a tela brilha. Que o brilho esteja no intelecto, dizem.
Pois bem: após meu período na Terra da Fantasia, já não consigo engolir qualquer coisa. O filme precisa satisfazer meus sentidos e meu intelecto, fazer eco em minhas emoções, atiçar algo mais fundo -- uma memória, uma dor, um suspiro, um desejo... Porém, desapeguei -- ufa, que bom -- de quase-ranços-crostas que estavam formando nos meus olhos cinéfilos, olhos de artista.
Numa entrevista, o polonês Kieslowski diz que, depois de fazer muito documentário, optou pela ficção para tentar expressar e captar aquela espontaneidade de certos momentos dissolvidos pela simples presença da câmera na mão de uma pessoa. Impossível registrar toda a verdade de um ato de amor, um casal fazendo sexo na intimidade das intimidades de seu lar e de suas vidas. Uma jovem chorando dissabores no escuro de seu quarto. Por isso, ele, Kieslowski, decidiu fazer ficção: para reproduzir tais momentos com delicadeza, intensidade e veracidade.
Esse prólogo vem por conta de "Lemon Tree". Ex-coleguinhas da Terra da Fantasia acharam isso ou aquilo, e pouco importa. O fato é que o filme escancarou minhas lembranças e vivências pela Palestina e por Israel. Revi até locais em que estive... E, embora tenha partido de uma premissa propositalmente bem-encaixada em que 'tudo vem a calhar' (o Ministro da Defesa de Israel vai morar justamente na vizinhança de uma mulher palestina com um pomar, nas proximidades da fronteira com a Cisjordânia), o longa é tão verdadeiro em seus subtextos e entrelinhas que me deixou triste. Triste pelo fato de que não só limoeiros como oliveiras, muitas delas, estão indo embora por meio das artimanhas israelenses, que agricultores são separados de suas terras por cercas de arame farpado cuidadas por soldadecos (eu vi com meus olhos), que as vozes discordantes em Israel são simplesmente ignoradas. Triste também porque os transeuntes da Terra da Fantasia esquecem muitas coisas pelo caminho, cegos de tanto focar. Nesse filme, importa menos se "a câmera só reforçou a tese do roteiro" e mais se o cinema pode ser tão intenso e impactante quanto a vida, pelos motivos ditos por Kieslowski. A verdade o perpassa, daí a sensação de que tudo converge para a tese do roteirista e diretor. Mas, nesse caso, isso não se faz determinante nem se torna um defeito. Ou um efeito.
-- EU SOU REAL! -- grita Salma.
"Lemon Tree" é um desabafo diante da cegueira e da surdez políticas, globalizadas e cinecríticas.
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