To C., missing you
Às vezes, quando tomo café e olho pela janela, e o dia parece calado e demasiado sóbrio, independentemente da paisagem, ainda que faça sol, ainda que faça um sol muito belo, eu me lembro dele. Porque ele respeita muito dias assim. Dias que parecem tão humanos em suas contradições, mas que passam despercebidos para a maioria dos seres vivos. Muita luz e muito silêncio – enquanto todos seguem com suas tarefas e correrias cotidianas, as plantas fazem fotossíntese normalmente, animais pastam e ciscam.
Não me lembro bem de como nos conhecemos. Alguém nos apresentou quando eu tomava chá à tarde, ele também, mas não me senti à vontade. Era mais velho, seu olhar avançava meu colo adentro, embora meu decote fosse discreto, acariciava meus ombros e me pedia um suspiro. Ele não sorria com os lábios, mas seu sorriso de olhos era tão lindo que me enfeitiçou. Começamos a conversar, acho; a lembrança mais recente já nos coloca em perfeita sintonia e amizade.
Ele me viu nua pela primeira vez no dia em que resolveu ler a borra do café. Havia aprendido com uma amiga turca, me disse. Não sei; creio que se guiava unicamente por sua perspicácia e sensibilidade. Você é uma mulher de vales e montanhas, me falou, com candura e afeto. E aquele jeito de olhar. Eu já não me constrangia; me fixava em algumas manchinhas de sua pele, no desenho que as rugas faziam em sua testa. Você atinge o âmago – na transcendência ou na profundidade. Ele me tocava delicadamente com suas palavras. Eu, com roupa, sapato e xale, mas totalmente desnuda. Você gosta de estar com as pessoas na mesma medida em que valoriza seus momentos de solidão. Lança-se ao risco, mas protege-se.
Protejo-me dos homens, chorei escondido.
Ele me olhava, respeitoso da mulher que eu era. Como se ambos estivéssemos deitados num lençol macio e delicado. Nós dois e nossos profundos. Nossa insignificância, nossa grandiosidade.
Partilhamos sensibilidades, aridez também. Azeite de oliva com zatah, suas panquecas, minhas saladas de frutas, iogurte, outros cafés e chás. Partilhamos dias calados, dias humanos e frágeis. Vieram igualmente momentos fortes e doces, carinhosos de pura cumplicidade. Às vezes os dedicávamos à pura fotossíntese. Em outras, ciscávamos. Quase sempre existimos corajosos.
Chegou a umidade, uma outra estação. Nos separamos. Não por nada, porque tinha de ser.
Minha nudez, diante dele, já escandalosa. E a dele não me deixava mais constrangida. Doeu, doeu uma saudade grande e pálida... Meses depois, uma confissão: queria tanto fazer amor com você. Fiquei confusa, enrubesci. Como se o amor físico fosse uma violência ao amor que já sentíamos.
Outros tantos meses, desabafos meus, respostas dele. Talvez ainda não tenha terminado o tempo de nós dois, ele suspirou de longe.
Talvez não.
Nos dias de muito sol e muito silêncio, a maior das contradições, nesses estamos sempre muito juntos. Naquele lençol macio de nossas conexões, mãos dadas, olhares no sem-fim. E nesses momentos sempre será tempo de nós dois. Muito próprio, muito verdadeiro.
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