O prato com as cascas de uvas
Chupadas, deliciosamente chupadas
Uma a uma,
Estava ao lado das almofadas.
Da sala, vinha o som de um CD de Nina Simone
E a tarde era de um lilás ainda róseo,
porém quase azul.
Sonhava em pé,
Ninava-se,
Não se continha.
Ele, ele, ele...
Criava preocupações:
louça por lavar,
segunda-feira de trabalho,
contas a pagar,
um mundo onde só existissem homens comprometidos
versus mulheres celibatárias
digladiando-se, destruindo-se
– e ela seria, mais uma vez, destruída.
Ponto para os homens.
Mas, droga, não fugia!
Preocupava-se à toa: impossível,
Não se continha.
Era ele, ele, ele,
Ele vinha –
Destruía seus mais íntimos ressentimentos
E instalava-se em seu corpo, em seus poros,
Ocupava todos os seus suspiros.
Teve fome.
– A tarde mais azul
Que as uvas lilases. –
Catava os grãos esquecidos, perdidos
E os chupava, constrangida, como
Se pedisse perdão às almofadas:
Sou até mais macia que vocês.
Ele, ele, e ele?
O CD tocava à exaustão, na tentativa de reproduzir
Um som que não viria do mundo, ao menos hoje:
I love you, I love you so much...
Acordes mais altos, era sinal de noite,
Rolava pelo tapete da sala.
Apagou as luzes, mas a vida brilhava em si.
Seus lábios com sabor de uva
Murmuravam algo.
Entregou-se, cansada da fuga.
Dançava com ele, ele, ele.
Derretia-se, descascava-se,
Fazia amor, fazia calor.
Abria as janelas, suava,
Gozava.
Ele, ele, ele.
E quando ele ligou,
Era ele, dizia o celular,
Ela não atendeu – como se quisesse
Prolongar aquele prazer todo
Infinitamente, indefinidamente.
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