segunda-feira, 29 de março de 2010

paredão, paredona


Há anos tenho me apaixonado por paredes. Paredes altas, paredes magras, paredes em geral morenas, umas mais simpáticas, outras meio carrancudas, parede disfarçada de muretinha, uns muros nada-a-ver, paredes duras, paredes de várias texturas e profundidades. Sempre paredes machas ou masculinas, minha grande maldição.

Me apaixono, me encanto, me desfaço – e as paredes lá, impassíveis, impossíveis, inevitáveis em sua condição de paredes. Mudas. Surdas. Insensatas e frias. Insolúveis.

Anos e anos de tentativas inúteis de conquistar uma parede me fizeram verborrágica (detesto os contos de fada em que o sapo vira príncipe, porque uma parede jamais vira príncipe ou rei, paredes são sempre carrascos. Carrascos surdos). Verborrágica, prolixa, quase histérica, falando, falando muito, falando demais, falando o que não devia, declarando-me declaradamente declarada não-calada. Por quase todos os meios possíveis – escritos, principalmente. Com quase todo o vocabulário afetivo que me permito usar. Em quase todos os tons especiais que conheço. Reconhecendo-me fêmea, feminina, feliz, felina, fera, ferida, fetiche, fechadura, ainda que as unhas às vezes estejam manchadas de esmalte velho ou o cabelo, arrepiado de indecisão. Parede, adorei te conhecer. Parede, eu te quero bem. Parede, você é uma pequena epifania. Parede, quer tomar um café comigo? Parede, gosto de sua poesia. Parede, queria te ver de novo. Parede, eu tenho tanto pra lhe falar... Parede, . Parede, ? Pa? Re? De?

Paredão. Paredões.

Anos e anos de tentativas inúteis diante das paredes de todo o mundo – não podem me acusar de não haver tentado até paredes internacionais! – me transformaram numa... parede. Paredona. Parede refratária, um tanto desiludida, meio descuidada, agora habituada a despejar logo de cara tudo quanto é verborragia possível para ficar cansada rapidinho e demolir o paredão da vez do meu coração. Parede cada vez mais intransponível. Parede invisível. Parede com sonhos de virar montanha e se jogar no mar. Parede com vontade de renascer borboleta, minhoca, leoa, begônia, nuvem, qualquer ser que interaja com o universo. E com vontade de encontrar uma borboleta-macho, uma minhoca-macho, um leão, uma begônia-macho, uma nuvem-macho com quem possa interagir.
Falar, mas ouvir. Ouvir mais que falar.
(Parece inacreditável esse sonho).

Hoje mesmo comecei a demolir um paredão, que era até gentil. Porém, como de hábito, um paredão de outros mapas, geografias, censos e populações, que tinha janelas e jardins. Mas, claro, não para mim.

Continuarei parada.
Tal e qual parede embalsamada...

5 comentários:

Anônimo disse...

Olha só os que as paredes fazem, mais paredes...

Seu texto foi simplismente demais, não demais é pouco, foi tão bom que é imensurável, mas sei que pode sair um tão bom quanto esse quando você encontrar uma borbolera-macho ou uma minhoca-macho ou até mesmo um leão...

Abraços.

Gira Angola disse...

Lindo esse seu blog, descobri-o e ou voltar a visita-lo.

NelsonMP disse...

Sim, você já aprofundou bastante este caminho das paixões que dão em paredes.
A próximo nível de desenvolvimento, costuma ser o das paixões que terminam no vazio ou no Nada.

Nada disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
NelsonMP disse...

..cada paixão é um degrau de devoção que nos faz subir em direção ao supremo. Cada paixão, na sua natureza viva, transporta homeopaticamente algo daquilo que é a verdadeira União.
Enquanto degrau é ilusão, enquanto caminho é ascensão. Mais adiante ela se transforma em Adoração.
Há duas afirmações que são complementares: "quem espera nunca alcança" + "quem não aspira nunca alcança"; uma sem a outra não funciona.
No fundo o que buscamos é a restauração da Aliança.