Quando ele beijou lambeu arranhou o fundo do poço e, no meio de todos os clichês possíveis, constatou que já não haveria mais salvação para sua lavoura de tomates esborrachados em plurais sem “s” e abobrinhas feito praga, brotando aos montes por todos os poros, ele enfim olhou. E, ainda sob os bugalhos de seus chavões imprestáveis para abrir portas mas úteis em todas as outras aplicações, fez desse olhar – do primeiro ao segundo e depois o terceiro – sua tábua de salvação. Ao olhar, salvo ao menos um fragmento, disse a si mesmo entre arrotos e escarros, antes de tombar alucinado e inconsciente, sujo de pó e poeira. Ainda assim, inconscientemente, escavou uma fresta para a expressão mais pura que carregava em si. Porém, medroso e arrogante, não abriu mão de todo o resto: mero fim de feira. Pobres dos pulsos marcados de fugas.
E foi então que, ao olhar e com o olhar, se libertava de si mesmo e de todas todas todas as carcaças apodrecidas e largadas no restante de seu ser, o ser para o mundo, aquele mais visível e aparente. Seu mau hálito carregava frases feitas pedindo para serem dissolvidas imediatamente – e, entre alguma risada e boas parcerias, sempre recorria à cachaça para aplacar seu nervosismo por existir. Existir e, assim, ser descoberto em todas as suas farsas. Ao menos, era humano e assumia – havia gente que gostava dele por esse pedacinho.
E foi então que ele viu aquelas pernas, antes de tudo e de todos, aquelas pernas que ainda estavam a buscar e, decepcionadas, queriam esconder-se embaixo de uma calça ou de uma mesa. Ele não queria o todo – e a dona das pernas, embora quisesse um “ser inteiro”, sentia-se cansada demais das inconstâncias do gênero oposto para carregar um homem de verdade naquele momento. Ela insistia em falar no leve, na leveza, na necessidade do discurso não-assertivo. Ela era bem assertiva quando falava alto e longamente sobre a leveza. E, quando sorria inventando uma placidez para a irritação dormente lá lá lá no fundo, pedia clemência ao mundo que a deixava solitária. Assumamos: naquele instante, ela não queria dar satisfação a ninguém. Um fragmento verdadeiro era suficiente para seu deleite de mulher-fêmea.
Até que ele quis domar as pernas com suas velhas e manjadas piadas. Desfazer os laços longos dos sapatos de bailarina no caminho dos tornozelos aos joelhos aplicando os truques tirados frescos de sua lavoura de banalidades insossas. Mas foi pelo fragmento do olhar dela que o olhar dele recebeu acolhimento. Um flerte pelo retrovisor dos encontros, aquele pedaço de mundo, um espelhinho de reconhecimento. Duas carências unidas pela pureza mais sincera que o momento poderia propiciar. O fedor se unia ao perfume e tudo cheirava ao humano em estado primitivo. E, então, que se danasse o mundo, os demais, os amigos e os inimigos, as verdades recém-proferidas em tom de prosódia ou de discurso psicologuês. Fragmentários e fragmentados, assumidíssimos, eles se uniram. Pernas, mãos, é esse pedacinho, sabe, é esse pedacinho que me encanta, a justificativa ecoava entre os dentes, onde nem fio dental passa. Deram-se aos germes, os mais rígidos, os germes germânicos.
Eles se lançaram, juntos, juntinhos, grudados pelas extremidades mais óbvias, à droga mais pura e mais poderosa. E já que me mandaram à merda, cada qual a seu modo, pouco me importo com o final dessa história, da qual só sei um fragmento. E isso me basta, é claro.
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