sexta-feira, 17 de julho de 2009

romantílica que só

(MFV, 2009)


Eu não acredito mais em histórias de amor, disse ela, bêbada, ainda que continue a escrevê-las sempre, com batom quando for preciso, com saliva se for dispensável. Fragmentos de sua pessoa caíam aos borbotões pela rua ainda úmida de ilusões e adeus. Alguns restos de lixo perturbavam as esquinas nem tão escuras quanto muitos gostariam. Botas de cano longo e salto fino misturavam-se a gatunos à espreita. Eram infelizes, todos, menos ela, ela bêbada, ela lúcida, ela desamada desanimada inanimada unânime na decisão de desacreditar das histórias de amor, especialmente as românticas.

Como se histórias de amor pudessem ser algo além de românticas, interrompeu ela, discordando inocentemente, incoerentemente, porque também acreditava que as histórias de amor pudessem ser qualquer coisa, pudessem ser histórias de amor heróicas, infames, de terror, dramáticas.

Tá. Odeio especialmente as românticas.

A noite não se calava, o silêncio era abrupto e o vento, rancoroso. Os olhos borrados, os lábios ainda tão bem pintados, os cabelos se lançavam ao balançar de seus passos incertos, incorretos. Havia um vácuo de fêmea, uma incrível crise de sentimentalidades, pulsava, é certo, pulsava vaginalmente, seu coração estalava, e ela ainda se fazia crer que tremia de frio.

Qual o quê!
Qual o quê, ela depois diria, tomando um chocolate quente meio amargo, meio dolorido, deveras penoso para a mulher que era. Digna, digna, muito digna, bonita a seu modo, indiferente sem querer, estampada nos postes, nas paredes, nos letreiros, nas cartas já desfeitas, nas linhas tortas. Amava tanto, mas o problema é que ainda acreditava que qualquer dia desses ainda toparia com um cara que iria amá-la também, e mais: que iria querer passar mais de um dia, uma semana, um mês, um ano a seu lado.

Decididamente, engasgou ela, com a língua queimada pelo chocolate, não existe amor romântico. E cuspiu um restinho de fantasia, teimosa, entre os dentes.

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