domingo, 30 de dezembro de 2007

Fumaças (da fase pré-experiência do Amor maiúsculo)

((Ou: "Ela não é Lóri. Nem Meryem."))

Os minutos não pareciam doer
Quando ele entrou naquele táxi rumo ao aeroporto
Para um dia, talvez nunca, quem sabe,
Esboçar um reencontro.
Havia intenções, nenhuma promessa, muitos desejos.
Foi a primeira vez. Táxi amarelo para o rapaz de cabelos amarelos.
Nuvens em caracóis sopravam a moça de cabelos encaracolados.
Era um hotel. A cidade não era dele nem dela.
Fazia frio, ela tinha luvas; ele, um cachecol.
Céu azul cintilante sob o rapaz de olhos azuis.
Beijos sabor mel dados pela moça de olhos cor de mel.
Ambos retornavam aos respectivos países.
Meses, alguns anos até, mensagens.
Hoje? Fumaça, apenas fumaça.

As horas não pareciam doer
Quando ela saiu bem cedo, antes de todos acordarem,
Sem lhe dizer adeus, até, quem sabe, nos veremos.
A noite havia sido de fagulhas e estrelas
Estrelas sob o mar que não era mar, seria rio
Y hablava espanhol.
Mas os dois falavam a mesma língua –
A cidade não era dele nem dela, nem o país.
No país deles, não compartilhavam a mesma cidade.
A sós, ruidosos, marotos e inconseqüentes.
Nenhuma promessa. Tesão, corrosão, explosão.
Dias, alguns meses, mensagens.
Hoje? Fumaça, apenas fumaça.

A manhã doía um pouquinho
Quando ele abriu a porta do carro
E achou bom que ela já estivesse com saudade,
Que tivesse vontade de esticar o tempo
Pelo menos mais um tantinho.
Ele seguiria para um banho e, depois, o trabalho.
Ela, em menos de doze horas, para outro continente
Numa viagem que duraria bem mais que doze horas.
O rapaz de olhos molhados e cabelos lisos
Falava adeus para a moça de lábios molhados e cabelos revoltos.
Nenhuma promessa, apenas bem-quereres.
Quem sabe, um dia, talvez nunca.
De vez em quando, suspiro daqui ou de lá.
Hoje? Fumaça, apenas fumaça.

O dia doeu quase inteiro
Porque não houve adeus. Houve silêncio.
Na praia, ele olhava para a esquerda.
Ela, para o oceano. Entre eles, a inevitável despedida.
Ele preferiu ser concha. Ela, polvo.
Não se acharam mais –
Tinha sido tão lindo, tão lindo.
Começara com um sorriso dela pra ele.
Dele pra ela. Uma folhinha seca.
Caderno de rascunhos, desenhos, outro sorriso,
O toque, a descoberta, doçura, tudo tão doce.
Indigestão, afastamento. Sem adeus.
Ela partia, ele ia para não-sei-onde.
Nenhuma promessa.
Nenhuma linha.
Hoje? Fumaça, apenas fumaça.

A existência desdobrou-se em dor
Quando aquela porta se fechou, ele de pijama, com sono.
Ela, com sonhos, diante do táxi.
Ele, esfinge, homem de preto, blasé,
Assediadíssimo, sem tempo, Narciso.
Ela, esfinge, inibida,
Ninfa devotada, sem tempo, colorida.
Ele quase disse o que desejava e quase usou o “nós”.
Ela decididamente não disse o que
Queria com ele. E queria tanto, meu Deus.
Perdeu-se nos nós de seus – dos dois – medos.
Nenhum deles entendeu nada.
Nenhuma promessa, contudo. Tentativas somente de um dos lados.
Do outro, o abismo.
A cidade, que outrora havia sido pequena para ambos,
Alargou-se imensamente. Tudo ficou distante.
Hoje? Fumaça, apenas fumaça.

A dor revestiu-se de chuva e choro –
Ambos leves, suaves e imperceptíveis –
Quando ele deu o beijo derradeiro,
Quase à meia-noite, na esquina escura
Daquela rua fria e praticamente deserta.
Ele romantizava a separação para ter direito,
Semanas depois, a um reencontro.
Ela colocava o ponto final ali mesmo.
Ele pegou o metrô, depois um ônibus,
Até hoje não se sabe se um avião, um barco, um rojão.
Ela voltou para casa, estendeu-se na cama vazia,
Respirou aliviada, suspirou carente.
Nunca falaram a mesma língua,
Tampouco compartilharam intenções.
Nenhuma promessa – mas ele sonhava com uma.
Hoje? Fumaça, apenas fumaça.

Dói ainda
Diante do mar de incertezas que separa
Continentes, nações, corações, planos,
Projetos, buscas, cidades e apartamentos.
Ele tem uma varanda e uma janela.
Ela, só janelas. Mas tem várias delas.
Ele tem meia dúzia de roupas, uns poucos livros.
Ela, um monte. Idem para os sentimentos.
Ele está no prólogo, ela no segundo capítulo.
Ele não sabe se lerá o livro, talvez não.
Ela está louca para chegar à metade, seguir até o final,
Criar o volume dois, o três.
Tudo ainda mantém o sabor do iogurte, a quentura da pele,
O som dos suspiros, o cheiro de sabonete,
A cor azul dos lençóis, dos olhos dele, da toalha dela.
Castanhos os dois, ele prateado, ela dourada.

Não pense você que se trata de história inventada,
De encontros propositalmente desfeitos
Para resultar literatura.
Ela e eles existem.
Porém, por algum motivo,
Ela nunca consegue dizer tudo. Ou dizer exatamente. Ou dizer.
As oportunidades se esfumaçam – e ela fala sobre um punhado de
Coisas interessantes, divaga, tece considerações.
Mas não diz tudo. Exatamente. O que sente.
Ela também não faz promessas. Mas se disporia a ouvir uma e, quem sabe,
Aceitá-la.
E assim, no solitário e vital aprendizado do não-pedir,
Ela fica à espera do momento
Em que a dor vai aparecer no meio de tanta fumaça
Para lhe fazer companhia
Enquanto eles vão se perdendo na lonjura da vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Talvez ela não queria se prender...
ela quer ser apenas uma fumaça... que vooa com o vento, mas se mostra presente...