Tudo dentro de mim saiu do lugar
Tudo se embaralhou
Só os intestinos ficaram onde sempre estiveram
– ao menos, me resta uma válvula de escape
O engraçado é que o mundo, em si,
Não chacoalhou
Prédios, pessoas, padrões e estatutos permanecem
Onde sempre estiveram,
Como os intestinos
Fui eu que centrifuguei e centripetei
Chicabum
Trinta anos se passaram na minha frente
– ou seja, todo o tempo da minha vida –
mas não só com minhas desventuras sentimentais
profissionais sexuais intelectuais e artísticas, ah, estas;
também com toda a história humana
vivida ouvida saboreada mastigada esmigalhada
Do atropelamento daquela senhora na Avenida Paulista
Numa morna manhã de maio
Carregando incidentalmente tantas vidas interditas e interditadas
Aos muros e discursos e bombas que caem
Sobre todas, todas, todas as nossas cabeças (abstraia, temos mais de uma)
De modo intermitente
Regurgitei a ditadura (os intestinos protestam),
Mas vi
A oligarquia velhusca subir ao poder
A intelectualidade brasilis chegar ao poder
O proletariado católico-trabalhista estar no poder
Vi muita coisa e me cansei
Vomitei (os intestinos que não agüentam mais)
Dane-se o poder
Vi filmes, muitos filmes, sala tela luminosa e escura
Como voei, viajei!
Sacrilégio transcendência ou o quê: realidade
Vi arma na mão do garoto nervoso no ônibus apontando para
Todas, todas, todas as nossas cabeças (éramos oito, mas dava na mesma)
Eu já nem tenho mais cabeça, caramba!
Tenho um coração e um útero dando ordens
Para um fígado surpreso e uma coluna assoberbada
Ah, céu nublado me faça um favor: pare de pingar
Em vão, ninguém dá mais bola
Com tudo fora de lugar
Me senti tão presente na vida presente no tempo presente
Estou taciturna, mas nutro grandes esperanças
E que venha a descarga
Agora que os intestinos funcionaram
(alívio)
Um comentário:
Obrigada por compartilhar.
não me cansarei de agradecer.
não vou deixar de ler e comentar.
Não esconda os seus textos, tire-os das gavetas e públique!!!
POR FAVOR!!!!
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