menos encolhida hoje. alarguei bem as costelas e o ar, que enchia meus pulmões e meu diafragma, ia desgrudando uma por uma assim: tac, tac, tac, tac. a dorzinha era gostosa e viciante. quero mais tac, tac, tac, tac. mantive o eixo, segurei meu centro. serenidade.
você sabe se apoiar no metatarso? é ele quem o equilibra quando você está sem eixo: nem na acomodação (ou conforto) do passado, nem na projeção (às vezes deveras fantasiosa) do futuro. aqui e agora: eixo, centro e metatarso. não fiz mais nada além de respirar. uma quase meditação. na suavidade da existência: ser e estar, aqui e agora, eu dentro e eu fora. eu.
quem sou eu? ninguém respondeu ainda. mas já há pistas brotando aqui dentro.
o imbróglio continua por aqui, mas acho que está pouco a pouco se desfazendo. hoje senti necessidade de mais paladar. saciei desejo, não negligenciei pelo menos uma das vontades: meia pizza de palmito, meia de berinjela, ambas com muita mussarela e azeitonas. bobagem? não. um respeito imenso pelo eu que está aqui e que tem fome e que não tem simplesmente fome mas vontade de. saciar demais as vontades de eu pode ser prejudicial à qualquer saúde. mas ensinar a eu que hoje pode, amanhã não pode, hoje faz sol, amanhã chove, agora é noite, depois é dia... faz-se primordial. eu, a existência é formada por ciclos, nada é propriamente infinito, só enquanto dura – e essa charada já foi matada (mas não morta, segue vivíssima) há um bom tempo. hoje, então, já que podia, já que dava, teve pizza. delícia de desejo saciado.
vários exames de ultra-sonografia, mas o imbróglio não apareceu na tela. havia um vazio deixado pela metade da tireóide que se foi, mas houve a descoberta de um segundo baço, um bacinho, que só faz companhia ao baço oficial. está lá de standy-by, just in case, sem atrapalhar os demais órgãos do time principal. me enchi de ternura pelo pequeno-grande-baço, humilde e discreto, aprendiz, presente, observador. parei de lamentar a partida incontestável e sem volta da metade da tireóide. achei que era hora de comemorar o surgimento na minha vida – a descoberta, portanto – do bacinho. falei? um se vai, outro sempre vem. nem sempre para e no mesmo lugar, mas vem. vida é assim: eterna circulação, como dentro da gente, o sangue, os líquidos todos, a comida virando fezes, como minha pizza.
tive também um privilégio que poucas mulheres têm: descobri de que lado ovulei este mês. do direito. se isso tem relação com o imbróglio ou com o desejo de pizza de palmito, não sei ainda. mas é lindo. hoje é meu lado direito que ensaia projeto de mundinho! oh! fiquei pirando, feliz por me descobrir teoricamente fértil: e se, e se, e se um bebê? bebê com 50% de mim na teoria e sabe-se lá Deus na prática? eu : 2 + 50% de outrem = bebê. mundinho. filhinho. fofura. oh!
mas volto ao imbróglio, não captado pelo ultra-som, mas tão sentido aqui-aqui-então: mais leve hoje. e foi por causa do monte de partidas de hoje pelo campeonato brasileiro, da copa américa in progress, que achei uma pista. veio do futebol. esqueça as divisões tradicionais: tricolor-tetrabra-triliber-trimundi versus Internacional, palmeiras contra américa, brasil versus chile... separo assim, ó: árbitros e bandeirinhas de um lado, jogadores e técnicos de outro. nunca vi caso de árbitro que virou jogador ou técnico, ou de jogador que virou árbitro e bandeirinha. bandeirinha pode chegar a árbitro, jogador pode chegar a técnico. certo? até aqui tudo bem? então. o fato é... eu era árbitro (ou bandeirinha, sendo modesta) e agora estou querendo ou estou em vias de ou sinto um chamado para... me tornar jogador. quiçá, no futuro, técnica. daí o drama. daí o imbróglio, parte dele talvez. parece contra a natureza, ou contra a ordem e a moral e os bons costumes, ou contra as regras talvez, ou uma piração muito grande. não há manual de instrução, Oscar ou MBA para tanto. então.
viu que é mais que uma questão afetiva, sexual, corpórea, emocional, profissional, vocacional, espiritual, mental, intelectual, racional, sentimental, sensorial, familiar?
diz respeito ao ser humano que sou, que quero ser, que continuo sendo, que virei a ser.
isso é muito, muito, muito profundo -- daí o entupimento do ralo.
e talvez tenha a ver com a idade que tenho (idade sentido lato sensu, sentido experiência de existência). aos 15, tinha minhas questões profundas, mas ainda me reconhecia como gente, nem tinha idéia do que poderia vir a ser. aos 23, só enxergava as possibilidades, eram muitas e tudo parecia viável e plausível, tinha algumas opções (ser bandeirinha para virar árbitro, um dia). aos 23, não conseguia compreender que eu, essa eu-mim-me que sempre fui e sempre estive mas estou sendo e sendo estou devagarconscientemente e pouco a pouco, embora feliz como árbitro (que começou como bandeirinha) ia querer virar jogador de futebol (ou gandula, ou torcedor).
boa essa. incluí mais possibilidades de virada. jogador/árbitro/gandula/torcedor. parece que a gente cresce aprendendo que só pode ser uma dessas coisas, afinal, cada qual com suas habilidades específicas, sua... "inteligência", seus MBAs, seus salários, seu preparo etc.
o ralo entupiu por quê?
ainda tem isso.
daí que esse meu momento não "é por causa" des petites choses, ça veut dire: o detergente que acabou, a blusa que preciso lavar, a mochila por arrumar, contas a pagar, menininho que aparece e diz oi, se vi o filme X ou o Y, saudade de fulano, tesão não-correspondido por sicrano etc.
e aí nossa postura diante da vida. tô cheia dessa história de merecimento. minha mãe, a pessoa mais fofa e amorosa que conheço, sempre tão coerente, descobriu câncer no intestino e -- merda -- talvez uma quase-multiplicação no fígado. merecia? não.
então, para mim, não existe essa história de "ah, seja feliz porque você merece". todos merecemos e não merecemos, ao mesmo tempo. isso é o que penso.
ralo entupido.
jogador, árbitro.
transcendência.
e no sono de hoje? o que vai ser? um orgasmo múltiplo?
respiro. respiro nas costelas.
tac, tac, tac.
Nenhum comentário:
Postar um comentário