E, quando o efeito passou, não se sabe bem se pela manhã bem cedinho ou perto da hora do almoço, ouviu-se um ca-ta-bum tão discreto que nem parecia som. Um acorde perdido entre espanto e barulho de passos, canto de pássaros e fechaduras de passagens. Quando o efeito passou, ela virou mulher e ele voltou a ser menino. Ambos se olharam e, por fim, se viram. Enxergaram-se, ainda que previssem o susto. O desencanto. O deslocamento. O descompasso. O pequeno fio de abismo entre eles se transformou num penhasco de grandes proporções. Dez anos passaram num segundo – envelhecendo-a, rejuvenescendo-o, afastando-os.
Você dirá que, segundo a alma etc., segundo o coração etc., citará frases bonitas que justifiquem seu pensamento etc., mas você nem imagina. Você acha muitas coisas, porém, talvez, agora seja mais adequado manter o silêncio. Ou melhor: não intervenha nesse silêncio que se formou entre aqueles dois.
Não houve reencontro depois que o efeito passou. Ambos se desencontraram. De verdade. Desencontraram-se. Olhavam-se, mas não se viam mais. Ele via uma mulher mais velha. Ela via um garoto mais novo. Qualquer possibilidade entre eles parecia agora absurda, obscena, nada factível.
Ali, naquela praça, ela seguiu para a esquerda sem olhar para trás, apenas para dentro. Ele tomou a direita, também sem olhar para trás, somente para dentro. O choque, um ruído afetivo. Uma raiva miúda e repentina. Nó na garganta, um quase engasgo. Depois, a falta. A ausência, o vazio. Aquele pequeno vazio que sobrevive agudo como um pequeno cacto doméstico nos espaços interiores, mais íntimos, por anos a fio.
Um comentário:
... sem quebrar o silêncio, é preciso lembrar que o fio de abismo que vira penhasco é na verdade uma oportunidade de aprofundamento que naquele instante nasceu para cada um. Enquanto houver medo das alturas do auto-conhecimento o abismo continuará lá. O "cacto interior", parece preciso aceita-lo e abraça-lo com carinho.
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