quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

desertora

Meu carnaval não teve tantas serpentinas, embora algumas frágeis cordas de papel tivessem roçado meu braço, meu rosto, minha cintura enquanto maracatus e batucadas ecoavam esquinas abaixo, ladeiras acima. Confetes sim, aos montes, nos chãos, nos sorrisos, nas vontades e nos olhares plenos de pura picardia. Meu carnaval não foi sóbrio nem bêbado. Não saiu da linha, embora eu dançasse, dançasse muito, eu pulasse, pulasse muito. Tinha um não-sei-quê que me tirava de lá, ainda que lá eu sempre estivesse, ouvindo Zé Ramalho, rindo da baderna alheia, suando meu vestido de chita, abrindo os braços de felicidade de tamanha liberdade. Mas algo me tirava dali, das serpentinas, das buzinas estridentes daquela displicência comportamental típica do carnaval, em que todos são de todos e tudo é mais que tudo. Na minha habitual solidão de indivíduo, fui tirada da arruaça e fiquei no balanço do jardinzinho de meu coração, tuc-tuc, toc-tão, cansado dos truques carnavalescos do bem-viver, do bem-querer. Não me movi de mim – estive onde sempre estou – e foi isso que me levou embora de lá, ainda que meu riso fosse bem ouvido e meus passos marcassem o asfalto de todas as gentes. Sem serpentinas, sem cordões, sem cordas, sem grilhões e sem querer ser apenas um ser entre tantos, tantos, tantos outros com lábios e corpos, sem pudores ou humores. Sem querer, então, laialaiá, fiquei no bloco dos desertores.

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