sábado, 7 de maio de 2011

Nuvens carregadas





Podia estar bêbada ou enamorada que, neste exato momento resultava igual. O dia tinha estado denso, pesado, mas mesmo assim me desloquei por vias e avenidas com louvável leveza. O céu havia estado cinza, mas mesmo assim enxerguei cores, muitas, ouvi sons, muitos, senti demasiado sabores. Já não consigo mais separar a vida dele da minha. Ele está grudado em minha pele como um suor que não sai facilmente com água. Ele está grudado em minha pele como se me acolhesse num sentimento inominável para ambos, porém prazeroso. Não consigo mais conceber meu cotidiano sem ele – ainda que talvez ele nem se dê conta. Não nos vemos com frequência, quase não nos falamos por telefone. Mas existimos – e existimos ocupando grandes espaços de humanidade. E foi por essa expansão contínua minha e dele que nos tocamos. Nos tocamos assim, repentinamente, de jeito descarado e faceiro, supondo que havia um poço circundando o castelo. Mas não havia tal poço: e daí a potência do roce. Sucumbi, de livre e espontânea vontade, querendo não proteger-me. E agora me encontro no pântano das sentimentalidades intensas e imensas, quase sem me mover. Tenho dificuldades para ajeitar os ossos, os músculos, os suspiros. Ele está em todas as partes: no meu computador, nos meus livros, no iogurte do fundo da geladeira, nos meus sabonetes, no vapor que esconde o espelho depois do banho.

Eu não tenho onde me esconder.

Porque o quero amar. Quero amá-lo, assim, descomprometidamente, com algum desespero mas muita liberdade. Quero percorrer seus caminhos, tocar suas veias, beijar seus poros – dos mais ínfimos aos mais perceptíveis. Ele é o homem que ilumina as manhãs cinzentas e frustrantes e que preenche as noites solitárias. É ele quem preenche essa cidade que estranhamente me seduz e com quem deito todas as madrugadas.

Não sei muito dele e de seus descaminhos mais recentes (ou mais antigos), mas aparentemente tentou construir às pressas um poço. E se despedaçou. Recomposto, agora retoma o caminho de pedrinhas que o leva à torre mais confortável de seu castelo. Lá tem jantar, janela, uma companheira que aparece de vez em quando, companhias ocasionais de amigos paisanos, alguma paz de espírito. No entanto, ele parece não estar resistindo tanto. Baixinho, bem baixinho, quase segredando, me faz ver que há algo nessa alma minha, nesse corpo meu, nessa voz que tenho, nessa mulher que sou que o ajuda a encontrar sentido no caos da existência.

Por isso, tanto faz se estou bêbada ou enamorada, se hoje chove e amanhã desafina, porque de tão grandes já começamos a nos misturar. É por isso que não sei quando sou eu ou quando sou ele. Ele tampouco sabe se me chama ou se chama, porém aos pouquinhos nos acostumaremos ao susto. O susto!

Descobri que o espanto espanta a mesmice.
E eu o amo.



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