sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ORGIA

Sensação de crepúsculo quando ainda é dia mas a madrugada vem velozmente despertar-me do torpor que a solidão me provoca especialmente quando sorvo a mistura de expectativas com limão e não me detenho ao espaço entre um soluço e outro Às vezes não sei se confundo propício com indício tempo com vento ou se acerto na combinação entre disponibilidade e encontro Tenho medo de haver criado a narrativa em que me encontro truque divagação ou ilusão premeditada Não sei quem saberá A janela me revela nublados que não consigo compreender ainda e deixo escapar átimos de senões ou entões Porque quando ele se faz presente tudo se torna diferente e tão mais gentil O universo se transforma numa eternidade pequenina feita sob medida e a alma geme dentro de mim a alma geme quando o escuto Naquele fragmento de encontro naquele desmomento cheio de instantes novos e virgens Na pequena fagulha na minúscula partilha No entrecruzar de pernas de vozes de sorridências Na minha entrega mais virulenta Como desdizer ao mundo que o cadeado impede a entrada Como enfurecer o mundo com meu grito doido de mulher doída pela saudade futura de um acontecimento ainda em gestação Como me explicar se perco de propósito a razão e me refaço como duna hoje aqui amanhã acolá Ah Suspirações Metamorfoses Loucuras E estrelas amalucadas a rebrilhar sobre meus ares tão indolentes Uma autopaixão um enamoramento provocado por mim mesma a mim mesma Um pacote que entrego a ele em mãos sem selos sem laços de fita sem cadeados Abre-te porta abre-te coração abre-te mulher Ame-me homem vibra-me homem expedicione-me homem

Entreguem-se os dois!!!





The audience was quiet and attentive. It was extremely hard for them to understand the whole thing. They have got pieces of meanings from here and there, but this was not a big deal. Actually all of them became quite surprised about her performance and overall about the melody from her words. In fact she has been totally impressive, even not being aware of that (or perhaps just because she was not aware of that). Love was in the air, they were almost able to prove that, since they have already tasted it through her.


"Talvez"

(céu do ser-tão, 2009)


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

E ele tem olhos para que, para quem?

Eu me encontrava no nono andar de um bairro sem grandes encantos na megalópole chuvosa, febril, agitada, estressada. Reverberante, regurgitante. Cercada de luzes escuras. Eu sentia um pouco de azia, eu sentia muita solidão.

Atividades mil, o país daqui, o país de lá, são décadas de tantas vivências. Nele, cabem vida e meia minhas.

Nas minhas ingênuas fantasias, era eu a única indisponível. E, quando finalmente corrigisse essa trava gigante em minha entrega, viveria a mais verdadeira das experiências amorosas – sem romantismo, sem inocência. A narrativa mais honesta.

Porque assim eu não só seria achável como possível.
Porque, por fim, atracaria minha caravela.

Mas, subitamente, ao me ver disponível e – por isso – vulnerável, encontrei um mundo ainda mais complexo e difícil: eles eram também todos indisponíveis e quase improváveis.

Mas ele? E ele?
Ele me vê?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eu, mulher


((nesse blog, eu não sou nada fiel.))

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

~ metonímia ~

(a foto é de Montevidéu em 2002, mas a lembrança...)

Então, ele segurou minha mão como se. Não sei mais de nada. Os sinais apagaram, só piscava amarelo de atenção, atenção, atenção. Os cruzamentos estavam cheios, entupidos, engarrafados: vou, não vou, saio, não saio, olho, não olho, enrubesço. Enrubesci. E a mão lá, em segundos eternos, sentindo o calor daquela outra mão que a tirou do limbo e a fez sentir-se... mão. Porque fazia tempo que ninguém segurava minha mão. Assim. Ou de outro jeito. Que nenhum homem segurava minha mão assim. Ou de qualquer outro jeito. Naquele momento, éramos apenas eu, meu coração palpitante, minhas bochechas enrubescidas e minha mão. Não sentia minhas pernas, nem meus ouvidos, nem minha razão. Algo havia acontecido ali, naquele momento: eu só tinha olhos para ele. Ele, que antes era um alguém opaco, alguém de alguns ois, alguns tchaus e outros talvez. E subitamente... Uma imensidão densa, como o Mar Morto, mas viva, esgarçadamente viva, como um tremor de terra devastante, naquele instante captado por duas mãos que se encontravam, surpresas e acanhadas, num mar de peles, corpos, pelos, cabelos, pessoas, sons, cadeiras, garçons, pratos e luzes. Meu Deus! Duas mãos. A dele e a minha. Metonímias, particularidades. Suaves, quentes, gentis – um encontro! Oh! Velozmente, vorazmente, agudamente, mais e mais, de um jeito estúpido porém cálido, eu me transformava numa imensa e esbelta mão direita abraçada com tanta ternura por outra mão direita, maior que eu, mais grisalha que eu, volúvel e dissoluta, infinitamente mais tímida que eu. E eu...


Quando me dei conta, já estava na porta do restaurante e meu amigo me olhava com marotice:
“Não foi nada.”
“Foi o quê?” – desfaleci.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Banco de praça


Ele veio passear em meus pensamentos de novo, enquanto eu comia um purê cremoso-grudento de mandioquinha e abobrinhas cozidas à moda crocante. Nada de mais a comida, mas ele estava lindo e bem-humorado e atiçava meu paladar com um despudor travesso. Vestia camisa branca e jeans, seus óculos de aros escuros, mas se eu quisesse logo apareceria mais esportivo, com camiseta de cor pouco importante e calça preta impermeável como na última vez que nos vimos.

Ele permaneceu em minhas recordações por longos meses, sentado num banco de praça batendo papo com os transeuntes, falando ao celular ou rabiscando ideias fugidias e deliciosamente marotas. Às vezes, eu ria sem saber – e ria dessas invencionices dele, escondidas entre neurônios e células sanguíneas. Eu quase nem sabia que ele estava lá, entre uma fantasia e outra, a não ser quando na vida cotidiana chegava alguma mensagem sua que logo o trazia para a borda dos meus pensamentos. Audacioso, ele não se contentava com a praça, lançava-se logo ao mar de meus desejos, abrindo ondas e descobrindo rios navegáveis onde eu já não mais me lembrava. Era um malabarista, um blasfemador. De um instante para outro, já estava na minha pele, nos meus lábios, nos meus ouvidos, no meu suor.

Na última vez que nos vimos, ele baixou a guarda, assumiu-se frágil e curioso diante de mim, a mulher. Escancarou as portas. Convidou-me para um último encontro, que tal beber alguma coisa, conversar, nos conhecermos melhor. E usou aquele “vai” de fim de frase, clemente, pedinte, quase se arrastando discursivamente aos pés de meu veredicto. “Me liga, vai.” Ele lá, exposto, doce, inteiramente revelado. Um sorriso, o olhar provocador, a cabeça inclinada. Recuei, aflita. Um homem, afinal. E me recolhi à preguiça da não-descoberta.

Acho que ele me perdoou e logo veio se instalar no bendito banco de praça das minhas recordações. Mesmo quando eu o esqueço, aturdida com alguma outra aparição masculina no cotidiano de fato, ou quando ele desaparece, quem sabe imerso em suas inúmeras atividades de pai-secretário executivo de instituto-filho-meio estrangeiro-meio brasileiro, quem sabe passeando de mãos dadas com alguma outra garota ou levando uma mulher desejada para ver um por-do-sol, ainda assim, nos encontramos sorrateiramente na tal praça, eu com nariz de palhaço, sem disfarçar o meu ridículo, ele com o sotaque ainda mais afetado que é para ficar sem graça de imediato. Comemos tapioca, rindo, e nos lambuzamos com um maltado. E assim nos entendemos, rolamos em purês de mandioquinha e de pequenos riscos, falamos abobrinhas, recolhemos nossas sabedorias e nossas ingenuidades um no outro.

É bonito estarmos juntos sem que estejamos necessariamente – é bonito sabê-lo. Partilhamos poesias espontâneas porque viramos trovadores um diante do outro. E cacheados, os dois. Distraída com a quase-possibilidade de revê-lo, às vezes me perco no encanto que sinto. E rapidamente me desfaço de expectativas ou planos, obstruo as rotas de fuga, apago os sinais de saída. Quero a descoberta. Porque sempre haverá aquele banco de praça, porque sei que ele existe e sua existência já me deixa mais feliz. Ele, o homem.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

DESMEDIDA


A água morna caía delicada e deliciosamente sobre suas costas, e ela tinha, naquele momento, qualquer homem que quisesse. Tinha todos os homens – todos aqueles que passavam por seus sonhos ou por seus poros, por suas lembranças ou por suas fantasias, por seus caprichos ou por suas terminações nervosas. Inventados ou reais. Distantes ou vizinhos. Possíveis e impossíveis. Delírio, puro delírio, mulher em estado bruto, sem medidas, sem mesuras, desmontada, desvairada, despudorada – ela e seus homens inúmeros, úmidos todos, mulher de timidez tremenda em seus afetos mais profundos. Mulher de meia-entrega que queria dar-se inteira, mas cuja hora ainda não chegava. Não enxergava? Enquanto isso, a água. Deslizando sobre as costas. Desenhando desejos.

Toque, tocada, tomada.
Desenhando desejos.

E eles todos vinham. Dia após dia, eram muitos. Mulher grande, mulher inúmera, mulher sem-fronteira, veemente, vigorosa, carne-de-sol, carne-ensopada, maravilhosamente ensopada, desmesurada sempre. Porque hoje era aquele e amanhã este, o rapaz do ônibus, o rapaz da praia, o amigo distante, o moço dali, o homem grisalho, o de óculos, o de sotaque sexy, o inventado de misturas essas, o fantasiado com misturas aquelas, e, e, e, e. Mas, todos os dias, o café da manhã era solitário e as noites quentes de verão chegavam sem vento e sem companhia. Seu abraço era grande, o chuveiro era generoso, seus pensamentos infinitos e acolhedores, confortáveis e espaçosos, mas não havia alguém a ocupá-los verdadeiramente carne-e-osso, coração-e-coração, olhos nos olhos, boca na boca. Suas costas continuavam indóceis ao toque de fato e ela se tornava cada vez mais selvagem. Selvagem, ferina. Os lábios nem sabiam mais o gosto de outros lábios – só imaginavam. Desacostumava-se do mundo das intensidades afinadas antes da festa e dos tons nem muito baixos nem muito altos. Formava um mundo muito próprio e peculiar, de suor e sabor, descolado completamente das disponibilidades da vida cotidiana.

Cotidiana,
Diana caçadora, Afrodite sonhadora, Minerva sábia,
Gregos, troianos e latinos,
Mas era só em fantasia, a cama seguia vazia. E ela com todos os homens inimagináveis sendo-se sofregamente em todas as sensações que conhecia.

Divinamente sôfrega – sem lençóis, sem documentos.

Enquanto isso, um trabalhava, outro viajava, outro ainda estudava e aquele que apareceu de madrugada – ela não sabia – estava amando outra mulher em algum ponto verdadeiro do mundo que existe.

Ela sabia, sim.
Ela também existia, mas talvez eles não soubessem.

Sem noção.
Sem mesuras.
Desmedida.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Comecim

(iniciozim de 2010)


Sabor mineiro, sabor inteiro, sabor da infância, sabor de muitos-quandos:
Sempre, antes, hoje, mulher-menina dos tempos mais malandros,
Sou quem, quem sou, como quem, como o que sou o que como
Sem-cerimônias (peito de pé sujinho de barro da chuvinha de ontem)
Tem pamonha? Tem sim, senhor!
Tem cafezim? Mas que pergunta, seu moço!
Ué, e tem queijim também, oiaí sô!

E nessas veiazinhas verdadeiras, hereditárias e inteiras, que me fazem ainda mais pessoa-posseira-de-mim vou navegando distraidamente.
Com delícias.

( )



Eis que abri a porta
Daquele quartinho escuro
E, no meio da bagunça,
– quanta bagunça um ser humano pode juntar! –
Encontrei um pacote de cartas,
De cartas que não mandei.

Hoje em dia alguém manda cartas?
Não sei.
E olha que não sou tão velha assim. Estou
Naquele momento da vida
Que nos deixa com um pé lá e outro cá,
Ainda tão jovem mas já tão adulta
Curvada de responsabilidades
Ainda tão cheia de suor e desejos (quantos desejos).

As cartas me olharam desconfiadas,
Matutas de tudo, experientes,
Acostumadas:
Se é para nos abandonar mais uma vez
Que vá embora e nos deixe em paz.

Em paz?
Quem ficaria em paz?
Não tive coragem a princípio
De redescobri-las
Todo início
É difícil e o quarto estava escuro
Não achei as luzes, sempre entro lá e não
Encontro o interruptor
E eu estava apressada, mas curiosa e
Agitada
Medrosa –
É, eu tinha medo

Uma por uma eu li
As cartas que não mandei
Reconheci velhos sentimentos
Duvidei de certas afirmações
Transformei interrogações em vírgulas
E duvidei que eu seria o resultado
De todas aquelas cartas não-enviadas

Não poderia ser,
Mas era.
Pensava que era outra, como se
Tivesse mandado as cartas todas
Sim, vivi tanto tempo achando que eu era
Aquela que tinha mandado todas as cartas
As cartas todas, toscas ou não,
E não era.

Tinha abandonado as cartas
Um monte de certezas, um monte de dúvidas
Muita coisa a ser dita do fundo do coração
E também cobranças vazias, acusações hoje sem nexo
Tudo era tão eu
Me reconhecia tão inteiramente e
Por que fiquei tanto tempo longe
Das cartas que não mandei,
Ou por que elas não ficaram de uma vez por
todas longe de mim?

Quanto tempo
Não sei, mas
Eis que fechei a porta de um quarto
Pouco escuro,
Do mais iluminado de todos os cômodos
Naquele momento.