Sim, sou aquela com quem você passeou de mãos dadas na madrugada fresca e risonha de agosto. Aquela com quem você não. Aquela que você não. Aquela que não. Enquanto eu sim. Algo, de algum modo (e eu ainda suspiro), sim.
Sou aquela que lhe convidou para um café ou um vinho se você não estivesse tão entretido com cafés e vinhos. Aquela cujo apelido você nem lembra; apenas olha os nomes na agenda e escolhe o primeiro. Meu primeiro nome. O nome com o qual não me apresentei a você. Oh, não: sou aquela, mas não sou esta a quem você busca. Não esse primeiro nome. Um nome oco.
Fui quem lhe. Quem se. Fui quando e onde e continuo a ir porque. Se você me deixasse terminar as frases, sem me aprisionar em pontos suspensivos que jamais se retêm, até poderia tornar-me alguém que. Mas sem, como?
Sou aquela que você desejou enquanto via um filme do Lars Von Trier. Aquela que você desnudou enquanto escutava Leonard Cohen. A que penetrou enquanto lia Roberto Bolaño. Aquela que, enjoado e confuso, cuspiu fora numa tarde qualquer de uma data irrelevante sem nem prestar atenção se a janela estava aberta ou se a umidade relativa do ar era maior ou menor que sua covardia.
Sim, sou aquela que agora lhe observa em silêncio e com algo de pena. Aquela que lhe diria: há um resto de molho no canto de seu lábio, um resto de muco no canto de seu nariz, um resto de lágrima nos seus olhos já nada sublimes. Prefiro, no entanto, mordiscar umas bolachinhas enquanto quase rapto a paisagem que velozmente se dissolve.
Salto:
aquela, não, sou eu.
— feliz ano-novo.