Ela era a mulher da saia rodada e florida, do sorriso no rosto, do belo buquê de gérberas cor de rosa nas mãos em pleno lusco-fusco. Era ela.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Distraidamente
Foi muito sem querer.
Como se alguém me tocasse o ombro, apontasse para ele ali na frente e me dissesse: é ele. Não pensei, não questionei, não titubeei. Sim, me disse a mim mesma, um pouco nervosa e cambaleante nos meus modos, nos meus gestos, olhos úmidos e pés frouxos, sim. E ali ele estava, inteiro, presente e, de modo inevitável, evidente.
Foi muito sem querer.
Certo dia me olhou diferente. Eu, com olhos cândidos desde sempre, nem notei. E então mergulhamos naquele espaço indefinido que não é qualquer coisa e tampouco ainda não é alguma coisa. Éramos, os dois, em nossos momentos mais límpidos: energia congelada, provocação domada, entrega verdadeira.
Foi muito sem querer.
Os dias seguintes tinham cor, tinham também cinza, trouxeram ventos estranhos e alheios, trouxeram sóis e diferentes planetas. Havia outras vidas além da nossa, daquela que nós dois havíamos criado por um fragmento de eternidade, uma vida que me pertencia só a mim e outra, diferente, que lhe pertencia apenas a ele. Nelas nos sentíamos seguros, um tanto de conforto e outro tanto de falta. Ausência da presença.
E, muito sem querer, aos pouquinhos, a vida que me pertencia não fazia mais sentido sem a presença dele. E sua ausência me doía aos bocados, um dia me apertava o coração, em outro me revirava o estômago, no seguinte me embaraçava os cabelos ou trincava os dentes. Meu sentir era físico e transcendente, era o próprio mistério, a conjugação de infinito e momentâneo, transgressor e tão romântico, ruptura e união.
Sonho com sua geografia, com sua geopolítica, com sua humanidade. Sua imensa humanidade.
Hoje brilho. Brilho contente com a presença desse mistério dentro de mim, reluzente e macio. Tenho medo de lhe dizer. De dizer-lhe: muito. De que, sem querer, ele responda apressadamente – sem sentir, sem mastigar – que não é nada disso. Que o mundo é muito mau e não permite transgressões dessa ordem. Que não lhe permitem transgredir até esse ponto. Eles, os outros.
Confio nele, mas sei que as feridas dos antes são sempre muito profundas para que se deixem corajosamente para trás de modo imediato. Confio nele, que me escuta, ainda um pouco espantado pela existência comprovada do mistério. Confio em mim, que sinto, sempre sem querer.
Porque, quando quero, não o encontro na lista das obviedades cotidianas. Estaria entre a aborrecida companheira de apartamento e o amigo colorido? Entre a cerveja e os queijos?
Foi sem querer. Como se eu tivesse deixado cair um vaso no chão e libertado os caracóis.
As nuvens, as mágicas arquetípicas, as plumas.
O amor.
sexta-feira, 1 de abril de 2011
¿Y qué?
Caminaba mirando hacia arriba, hacia a un lado y a otro, caminaba observando los formatos que mis pies adquirían mientras elegían pasos en calles angostas, en rutas inventadas por el casco antiguo, por la playa, por la montaña. Caminaba intentando ojos ajenos, sonriendo al viento, intercambiando aire con el mundo afuera. Caminaba. Caminaba casi volando, volaba como si caminara, suponía alas mientras imaginaba cielos, nubes, estrellas. Mi realidad tenía sabor de fresas grandes y vinos negros, muy oscuros. Mi realidad era roja y yo no me había dado cuenta; mi realidad no era completamente dulce, pero aún así me parecía sabrosa. Y de súbito ya no caminaba más; me encontraba parada, plantada, fincada en un sentimiento grande, grande, grande aunque pequeñito. Gritado aunque discreto. Mío sin ser mío. De súbito todo había cambiado: mi reflejo en el espejo tenía colores y texturas distintas. Mis oídos buscaban un cierto acento, mi saliva un cierto silencio. “¿Tú me escuchas y qué?” Sí, sí, sí, yo le escuchaba. Lo sentía dentro de mis sueños y de mis pesadillas, yo lo sentía tan entero que a veces pensaba que me transformaba en él apenas por unos segundos a fin de descargarlo de tamaña intensidad. Soy demasiado humano. Yo también. Demasiada humana. Pero él es tan inmenso en su hombría, en su dignidad que me siento invisible. Y, invisible, no soy vista. Él no me ve, casi no me siente. Yo que caminaba ahora me quedo inmóvil; busco inútilmente pinturas y rellenos que me puedan hacer visible. Él mira hacia lejos, lejos, lejos y alto, y yo estoy cerca, casi a una docena de pasos. Mi realidad era roja y yo no había dado cuenta. Ahora llena a quemado, carne quemada, un amor oculto e interdicto. Un gran laberinto. “¿Tú me ves y qué?”
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