para a Marcita, feliz aniversário!
E foi quando enxerguei aquele bote
um navio um transatlântico um caiaque
asa de pássaro borboleta vagalume
podia ser cipó podia ser poço podia ser porta
ponte ponto início partida?
eu?
um abismo!
Mas o fluxo o fluxo o vento e a vontade
-- tempo de me mergulhar
mergulho? em mim?
Quis buscar as origens das águas todas
as que me transbordavam
as que me afogavam
as que me navegavam
as que me benziam
aquelas nas quais aprendi a me fazer eu
Eu...
As águas todas
Os choros e os espirros
As lágrimas e as turbulências
Minhas tempestades, meus impulsos
Desejos e sustos
Sim!
O bote
a água primordial
-- eu pensava que era a água placentária
de minhas origens pré-oceânicas,
origens de ilha, molhadas plantações de arroz,
shakuhachi brotando dos bambus,
som que sou, sou que som?
Essas águas têm música!
Delicadamente
canto som passos na floresta meio do mato ei, sô
sou quem sou
Diadorim, Diadorim, Adoniran
diamante, diademas, olho d'água!
Miguilim!
Meus olhos cheios d'água.
Meu coração aquático, Bethânia.
Uma mulherona mesmo.
Eu inteira.
Eu completa.
Sim!
No princípio de todas as coisas
Eu mesma que me esquecia
Porque a gente se esquece para se encontrar
Mas são as águas as nossas as suas as de todos
Meu olho d'água a fonte o broto o bebê a semente
Navegante de bote de ilha de flor
As águas que me lembram, que me acham
Navegante em flor
O som o cântico meu cântico
sem dó
sem ré
Puro sol, lá e aqui,
Mim
Sim!
E agora que os mares que me levem
correntezas todas
porque sei flutuar e nadar e fluir
porque sou novo oceano e novo igarapé
porque guardo doces e salgados dos sabores de água
todos os sabores
mas alguns ficam, outros vão
marés ondas navegação
desapego, aprendizado, novidades, continentes!
Contente!
Sigo sendo
Sob as bênçãos
Costurando as peças de minhas delicadezas
Numa colcha que não é só para mim nem nunca será.
Olhos cheios d'água.
Neles cabem a vida generosa e a gene de toda minha humanidade.
Olho d'água, esse meu.